terça-feira, agosto 05, 2008

 

Going with the flow

Viajar é um enorme prazer para toda a gente, embora diferentes pessoas prefiram diferentes tipos de viagem (por isso não se deixem enganar pela toada de desabafo de um dos poucos aspectos negativos da viagem). Para um backpacker a viagem ideal é aquela em que consegue manter-se à tona da água com pouco dinheiro, onde conhece de forma particularmente intensa a realidade local, consegue cobrir uma área considerável, conhece bons companheiros de viagem e principalmente fez uma viagem que é única, que é sua. Por uma questão lógica quando temos muitas pessoas a optarem por este tipo de viagem num percurso com poucas opções perde-se este elemento de exclusividade e sentimo-nos desiludidos com a viagem. Alguns momentos nesta viagem provocarem este sentimento que pode ser melhor exposto através dos seguintes exemplos.
Na primeira ocasião tínhamos saído em Surah Tani, num avião com origem em Bangkok. O destino final era a ilha de Ko Pagnha e para lá chegar era necessário viajar até ao porto apanhar um ferry. No aeroporto de chegada e uma vez com as malas levantadas os pensamentos seguintes são dirigidos a como sair do aeroporto e que transporte apanhar para o destino final. Normalmente nestes locais não temos a opção do comboio e muito menos do metro. Resta então algum tipo de transporte individual, como o táxi, ou colectivo, como o autocarro. Para distâncias curtas e num país com preços relativamente baixos o táxi é uma opção muito forte (45 min em táxi fica por cerca de 6€), mas para distâncias superiores é normal optar pelo autocarro. Neste caso quando saímos do aeroporto estavam já 2 autocarros à nossa espera e uma vez que isto ia de encontro às nossas expectativas para a distância a percorrer ficamos obviamente satisfeitos com o facto consumado. A desilusão veio porque os 2 autocarros foram totalmente preenchidos de (a capacidade total era de 100) pessoas que iam fazer exactamente o mesmo que nós: chegar às ilhas no sul da Tailândia. Só mais tarde, já no ferry, iria alcançar a figura de estilo perfeita para o que estava a passar: vi 40 porcos enjaulados na traseira de uma camioneta. O alto funcionário da agência de viagens que controlava o autocarro procurava a todo o custo saber para que ilha nos dirigíamos e assim vender-nos não apenas o bilhete de autocarro mas também o bilhete de barco para o destino final, conseguindo assim um preço de “bundle” (pela dificuldade que teve em calcular o custo para apenas uma parte do percurso ficou claro que o famoso bundle era a única opção disponível). As almas que a partir daí tiveram fome na mesma cidade que nós, que viajaram connosco de autocarro até ao porto continental e daí até ao porto da ilha e que depois procuraram hotel nas mesmas condições, foram sempre as mesmas, criando-se uma certa familiaridade que eliminou toda a exclusividade do que fazíamos. Sentia a ideia de ir até Ko Pagnhan desde Bangkok como universal e estava em época baixa, ou seja, poucos dias após a “full moon party”.
Sair de Ko Pagnhan de noite, para evitar assim pagar uma noite em hostel e no dia seguinte de manhã continuar com uma viagem de autocarro que cruza a península até ao local onde apanhamos o barco que vai até à ilha final num total de 15 horas, parece um plano razoável e ao que depois conclui, é razoável para muito mais pessoas! Perto das 9 da noite quando nos aproximámos da carrinha que nos ia levar ao porto começou a desilusão. Éramos mais do que aqueles que a carrinha estava legalmente habilitada a levar. Depois de empacotados, nós, carne humana (em parte carne britânica e jovem o que piorou em termos sonoros a coisa), fomos deixados no porto onde entrando no barco podíamos rapidamente escolher o nosso bocado de colchão na madeira. A espera enquanto os capitães locais procuravam encher o barco foi revoltante. Uma vez no mar foi possível dormir, em grande companhia. Cansados esperávamos facilidades mas para nós que tínhamos um bilhete “door-to-door” o pior estava ainda para vir. No autocarro que atravessaria a península quase não havia lugares e o frio do ar condicionado era difícil de aguentar. Uma vez superada esta prova de 3 horas faltava a última e mais difícil. Chegados ao último ponto de partida a espera de 2 horas em pé pelo barco, num cenário de chuva, quando nos dirigíamos para uma ilha onde pretendíamos fazer praia e depois de uma noite em que praticamente não havíamos dormido foi desesperante. Uma vez no barco apinhado de “carne humana” a única coisa que nos alegrou foi um grupo de australianos que como diversão colocavam as cascas da fruta que tinham acabado de comer na cabeça uns dos outros enquanto tiravam fotografias. A viagem até lá tinha sido dura mas não tanto!
Quando saímos finalmente de Chiang Mai (digo finalmente sem qualquer desprimor porque gostei sinceramente da cidade) e entrámos às 7 da manhã num autocarro repleto de locais e que partia com direcção a norte, chegando à sua última paragem na fronteira com o Laos, pensei sinceramente que este fenómeno não se iria repetir nesta viagem. A minha inocência alicerçava-se em simples sinais como a viagem de autocarro ter sido feita com pouca companhia turística e estarmos em época baixa. Fui novamente surpreendido. Os primeiros sinais de que me havia enganado estavam ali quando fui jantar nessa noite e principalmente no dia seguinte de manhã. A agitação de táxis para levar a manada para o “porto” desta cidade fronteiriça e principalmente a espera de hora e meia enquanto carregavam o barco de “carne humana” foram demasiado claras de que mais uma vez não estava só…
Pior que sentir este assalto à exclusividade foi outro ponto comum a todas as situações e que conseguiu consumir-me ainda mais o espírito. É que no Sudoeste asiático não existe o conceito de horário de partida, mas antes o conceito de lotação de partida. Para quem foi informado que existe uma hora de saída para que assim consigam cumprir quanto muito com a “hora média de partida” (o que é isso?), que no último caso era entre as 11 e o meio-dia, é revoltante ver que a partir das 10 horas, altura em que o barco se apresentava bastante vazio, há uma constante aglomeração de companheiros na “exclusividade” que vão entrando com um ar de sofrimento de quem carrega a mala como sendo a própria cruz e procura depois um lugar, cada vez mais escasso, enquanto o barco vai afastando a água do rio até atingir a sua altura mínima relativamente ao nível da água com cerca de 80 pessoas a bordo. Valeu-nos o facto de termos os melhores lugares do barco numa viagem que prometia ser longa… No entanto, no ponto sublime do que descrevo em cima esteve o dia seguinte, em que ninguém teve qualquer tipo de sorte. Se tínhamos feito metade da viagem até Luang Prabang em dois barcos, os gestores da frota planeavam, enquanto descansávamos, fazer a segunda metade desta viagem em apenas um barco com as mesmas dimensões. Levaram de tal maneira ao extremo este seu princípio minimizador do conforto humano que hordas de revolução se levantaram dentro do barco quando turistas continuavam a entrar num barco já saturado e mesmo sem lugares livres. Enquanto pessoas se instalavam no chão as palavras de ordem eram: “Second boat” e “Let’s leave this boat”. Sorrindo e sem emitir qualquer palavra, os Tailandeses que planeavam a viagem, não emitiam uma palavra. A sua solução foi a de atirar o barco ao mar enquanto alguns turistas mais ferozes se agarravam a tudo o que estava perto do barco para não o deixar partir nestas condições de segurança. Outros atiraram-se logo aos poucos coletes que estavam disponíveis, num receio de que o peso que carregávamos pudesse em algum momento da viagem tornar-se insuportável para a carcaça de madeira. Certamente se sentiram mais seguros que os restantes quando o condutor de um barco mais pequeno que passava ao largo começou a apontar para a traseira da nossa tábua e o nosso “comandante” começou a dar voltas no mesmo local enquanto espera ajuda.
Depois de Luang Prabang (cidade histórica e antiga capital do que agora é o Laos) e quando me dirigir para uma cidade altamente turista como é Vang Vieng e daí para a ainda mais turística Angkor, não voltarei a cair no erro de pensar que estou num tipo de viagem altamente comercial como é o backpacker no sudoeste asiático e que serei consideravelmente enganado.
Percebemos que somos rodas dentadas numa enorme máquina industrial, quando em qualquer local onde chegamos encontramos as mesmas pringles, as mesmas lays, as mesmas oreo, as mesmas Chao beer, etc… Os preços esses, são o dobro do que qualquer um destes artigos podia ser comprado num supermercado no nosso país. É o prémio que o turista paga pela “exclusividade”.
Deste texto pode resultar a sensação natural de que esta é uma viagem que até agora me teria desiludido e que não valeria a pena fazer. Nada estaria mais profundamente errado. Sempre que falei na possibilidade de fazer esta viagem, o simples facto do meu interlocutor, fosse ele qual fosse, dizer sempre que conhecia algum português (povo normalmente sedentário o suficiente para nunca chegar tão longe) que já tinha feito essa viagem, me resfriava muitíssimo o apetite. Quando decidi fazê-la foi com essa certeza em mente mas com expectativa, agora superada, de que conhecer esta parte do mundo seria algo de fascinante, custasse o que custasse.

Comentários:
Um texto demasiado longo para dizer o essencial. No entanto, e bom que o digas e gostei de ler a critica que fazes a nao-exclusividade. Na realidade, as tuas ultimas frases acabam por justificar o porque de eu nao me aventurar por essa regiao: nao me quero desiludir com demasiada artificialidade. Tenho medo de nao ver paises "reais". (Consola-me, porem, a ideia de que esses paises tenham componentes "reais". Nao tao atraentes, tao bonitas ou tao divertidas como as que a maior parte das pessoas ve, mas, nevertheless, lugares genuinos, nao sem turistas, mas sem po Turismo como foco de sobrevivencia. Nesse sentido, caber-te-ia a ti a responsabilidade de os procurar. Pelo que percebi da leitura do blog, nao procuraste ou nao encontraste. Ou nao existem?..!)

Apesar de tudo, no relato que fazes neste post simplesmente estas a ser tratado dentro do standard do pais sub-desenvolvido para onde foste. MEsmo que em autocarros/barcos para turistas, pelo menos experimenta-se um bocado do dia a dia dessa gente.

De certa forma, sinto neste post a amargura que ele merece. (E aprecio nao so a honestidade como, acima de tudo, essa propria amargura com a massificacao dos Lugares, porque a maior parte das pessoas acha "brutal" o que quer que faca na Tailandia e nao se apercebe do desastre sociologico que o turismo pode ser)

Abraco
 
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