quinta-feira, junho 02, 2005

 

A peregrinação- um caminho de fé

Mais uma experiência forte que tive a sorte de viver recentemente: uma peregrinação. Uma peregrinação é muito mais do que um simples fanatismo religioso que nos leva a caminhar, indiferentes ao cansaço. Uma peregrinação é muito mais do que um grupo de pessoas a andar. Uma peregrinação é muito mais do que cumprir uma promessa ou um momento para endereçar pedidos a um Deus da dádiva. Uma peregrinação é muito mais do que um conjunto de pessoas que se querem conhecer. Uma peregrinação é muito mais do que a partilha espontânea que acontece entre semelhantes.

Para mim, que acabo de fazer a primeira, uma peregrinação, embora difícil de definir, é principalmente um caminho de aprendizagem em conjunto, sobre Deus, sobre Deus feito homem, sobre a vida, sobre o projecto de vida que Ele tem para nós, sobre a forma de nos mantermos no caminho que Ele enquanto arquitecto do Mundo nos consignou como caminho para a felicidade verdadeiramente eterna.

No nosso íntimo, que poucas vezes escutamos (é aborrecido e tende a tirar-nos do nosso conforto fazê-lo), somos por vezes assaltados por uma inquietação que normalmente não conseguimos explicar. Até porque não queremos. Apenas a poderíamos explicar se a quiséssemos ouvir várias vezes por dia e na sequência procurássemos obstinadamente a resposta para esta forte interpelação do espírito. Mas porquê ouvir aquela voz que me incomoda quando estou a ver televisão, quando estou a tomar banho ou mesmo quando estou a dormir, ou pior ainda quando estou a trabalhar e preciso mesmo de acabar o que comecei. Porquê dar importância a uma inquietação que nada tem que ver com o meu dia-a-dia. Assim vivemos nós as nossa pequenas vidas. E assim deixamos o nosso pequeno corpo um dia. E porque é que não há de ser assim? Os animais vivem, imaginamos nós desta forma. Não há razões para sermos diferentes! No entanto, temos esta componente espiritual, esta procura de uma verdade unificante. Esta verdade, embora não seja clara, está muitas vezes mais próxima do que nos parece quando a olhamos no turbilhão do dia a dia. Quando durante uns dias nos dedicamos quase exclusivamente à reflexão, seja orientada por que religião ou prática filosófica for (embora existam diferenças substancias entre elas que não vale a pena aqui explorar), podemos facilmente dar-nos conta de um sentimento interior de pertença ao Universo. Podemos mesmo chegar a contemplar com olhos límpidos a história maravilhosa que foi a vida e Cristo, tal como historicamente está registada a história de D. Afonso Henriques por exemplo (embora esta segunda mais incompleta). Podemos mesmo a certa altura, quando procuramos Jesus entre nós, no meio do nosso grupo de amigos (ou companheiros de peregrinação), descobrir com deslumbramento o Amor que Ele nos veio ensinar.

Este é uma visão interior do sentimento de Universalidade que acredito, cada ser humano possui. Outros sentem-no de outra forma por razões culturais. Penso que este sentimento se manifesta em todos nós, humanos, quando procuramos algo de melhor para o Mundo como um todo, hoje e no futuro, muitas vezes para lá das nossas vidas. E normalmente quem mais activamente procura, são aquelas pessoas que mais atenção prestam a este sentimento interior de Universalidade ou espiritualidade. Pessoalmente estou contente por poder partilhar deste património da Igreja, que mais não é do que uma responsabilidade de anunciação, e que é o Amor de Cristo. Sem certeza (mas na busca incessante de respostas) e acima de tudo sem garantia de que conseguirei ser fiel à proposta o desafio é entusiasmante e pleno.

A proposta que os textos brilhantemente compostos nos proponham era a seguinte (cheguei apenas no 3º dia de peregrinação do resto do grupo pelo que não vivi tão intensamente os primeiros, aqui ficam as ideias de todos eles):

O desafio à partida era claro: Levantai-vos, vamos daqui! Abandonem as vossas casas. Partamos para a nova terra. Deixar a casa, pretendia ser entendido como abandonar aquilo que nos é preciso na morada actual: influência, sucesso pessoal em oposição ao sucesso de Deus através de nós, abandonar mesmo a necessidade de carinho e elogio. Abandonarmo-nos à vontade de Deus. Senhor, quando estiver no deserto, longe daquilo que sempre me orientou, peço-te então Senhor, faça-se em mim segundo a tua vontade. É certamente difícil abandonar este porto seguro dos critérios do mundo. Pedíamos então ao Senhor que nos desse força para o fazermos. É-nos então contado como começou a Companhia de Jesus. Foi justamente com o abandono da casa, apenas confiando que o Senhor saberia fazer o melhor de cada um de nós uma vez que estivermos nas Suas mãos.

Para esta viagem precisamos de companhia. É-nos dito que Jesus quer ser a nossa companhia. Ultrapassemos lentamente os medos e deixemos que Jesus nos mostre o seu Amor. Era pedida a abertura do espírito e a capacidade de olharmos para as nossas próprias vidas, sem qualquer tipo de medo. Daqui para a frente chamamos-Te mestre e queremos seguir-te.

Entrei na peregrinação neste terceiro dia, em que o pensamento proposto era tão desafiante como pleno de sentido. Ensinava-nos o que é Amar. Não amar, mas AMAR. Que desafio tão grande! Este texto, não pode ser explicado tão eloquentemente como citado. Cito então uma passagem: “Talvez receies o sofrimento que o amar profundo possa causar, mas que isso não te impeça de amar em profundidade. Sempre que experimentas a dor da rejeição, da ausência ou da morte, enfrentas uma escolha. Podes tornar-te amargo e decidir não amar novo ou podes enfrentar a tua dor com bravura e deixar que o solo em que permaneces enriqueça e seja capaz de dar mais vida a novas sementes.” Depois, era nos dito numa linguagem simples o que significa Amar assim a cada momento. Significa dar tudo, tornarmo-nos frágeis, deixar que o outro ponha em mim a sua carga. Significa estar disponível em vez de fazer qualquer coisa para agradar o outro e irmos embora. Significa aceitar perder para que o outro fique a ganhar, quebrar a linha que nos mantém sempre por cima na nossa auto-suficiência (amor e dor são inseparáveis). Significa entrar numa relação com outro não por necessidade, para que o amor não se torne uma dependência, mas sim porque queremos o bem do outro. Significa sermos fieis a nós mesmos, e não a qualquer outra coisa para agradarmos a terceiros. Significa não manipular o outro porque preciso dele. Significa liberdade e independência para podermos Amar desinteressadamente. Deus não nos obrigou a gostar Dele. Deu-Se a conhecer e deixou-nos fazer a escolha.

Agora é importante pensarmos no nosso dia a dia. Os nossos dias vão passando sem sobressalto. A vida vai correndo como um rio. Precisamos então de construir uma barragem nesse percurso, um momento de reflexão e de orientação. Purificar as águas, agora paradas atrás da parede da barragem, aprendendo a Amar em cada situação das nossas vidas e finalmente implodir a barragem e voltar a deixar as águas correrem, agora transportando Amor. Esse Amor será forte e alicerçado na oração. Lemos então o relato de alguém que mudou a sua vida por acção do Senhor. Alguém que o seguiu sem qualquer restrição. Que difícil!

Chegaríamos então neste dia ao Santuário, quando nos era sugerido que aceitássemos todos estes desafios e que perante as tentações do dia a dia não nos afastássemos das propostas de Deus. Vale a pena perguntar-mos ao Senhor a cada momento: Senhor é isto que queres que faça? E assim continuaremos unidos a Ele para além deste dia e de hoje em diante.

Assim ficou claro, a peregrinação são as nossas vidas. Assim ficou claro, a peregrinação é o nosso caminho para Deus e com Deus.

Durante esta peregrinação caminhei, tomei banho em casa de pessoas locais, comi em grupo com os outros 52 peregrinos petiscos que nos iam chegando desde Lisboa, rezei, participei em missas ao ar livre... Recordo muitos momentos, por enquanto, mas acima de tudo quero recordar para sempre que Tu, Senhor, estás ao meu lado e de toda a Humanidade, não intervindo na história, mas antes dando-nos a liberdade de caminharmos para Ti. O mais importante numa história de Amor não são os grandes gestos, mas a fidelidade sem limites.


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