segunda-feira, março 28, 2005

 

Perto do regresso

Estou de volta a estas andanças da escrita pelas quais resolvi enveredar recentemente. O regresso a Portugal está para breve, mas a vontade de escrever no Blog e acima de tudo de viajar continuam de pé. Resta saber que tipo de «voos» tenho pela frente.
Na minha já longa estadia em Florianópolis o tempo não tem sido maioritáriamente bom tendo o sol dado por vezes lugar a dias de nuvens e chuva. Felizmente o vento pôde ser aproveitado para umas tardes inesquecíveis de Wind surf na lagoa da conceição. Bom e hoje, o primeiro domingo de páscoa que passo longe da minha família, a sorte não esteve do nosso lado. Nesta constante alternância entre Sol tropical e nuvens de clima temperado e húmido (que o vento de Sul carrega), calhou-nos a segunda. Enquanto os meus 6 companheiros de casa (talvez não todos), vão começando a fazer as compras para o nosso jantar de Páscoa, na nossa casa, onde sempre reunimos (hoje seremos 19) a comunidade de estudantes Portugueses em Floripa, aproveito para me alongar um pouco mais neste que tem sido o meu ponto de encontro com família e amigos. Estou portanto agradecido às novas tecnologias, que mais uma vez nos permitem ir mais longe.
Neste momento, o facto mais relevante na minha cabeça talvez seja mesmo a partida. Parece-me algo inevitável uma vez que nunca tive tanto tempo fora de casa, exceptuando o período de Erasmus em circunstâncias muito distintas. E que grandes experiência são estes períodos. E que coktail de alegria e nostalgia se apodera com a aproximação à data de regresso. Tempo se calhar então para partilhar um pouco este sentimento e relatar (para mim relembrar) alguns momentos vividos. Seria capaz de ficar nisto horas, mas a organização da nossa festa certamente não me deixará ir assim tão longe. Em frente.
Na nostalgia da partida, o viajante é tentado a fazer duas coisas. Primeiro questionar-se sobre o sentido do regresso. Será que acabei o que tinha para fazer no estrangeiro? Será que chegou mesmo o momento do regresso? Será que não posso prolongar um pouco mais estes dias tão felizes da minha vida, que normalmente o são se se tratar de uma pessoa que verdadeiramente gosta de viajar? Será que ainda aguento durante mais tempo a permanente incerteza e novidade de cada dia sem saber o que o amanhã me reserva? Logicamente deparei-me com todas estas questões e para muitas delas não encontrei resposta. Mas subitamente o regresso apresenta-se me no espírito como uma certeza. A certeza de que quero voltar para perto daqueles que gosto e com eles partilhar de forma entusiástica as semanas fantásticas que passei. A certeza de querer voltar a recarregar baterias para me lançar em novos vôos. A certeza de querer dar um sentido à minha vida. E a certeza de que tenho a coragem de deixar para trás aquilo que foi bom e acima de tudo assumir o fim quando ele é inevitável. No entanto, não assumirei esse fim enquanto não rapar o cabelo pela primeira vez. Desafio a que me propus e que me levará do estado aparentemente normal, à figura ridícula que contudo não consigo imaginar.
Por outro lado, o viajante é tentado a avaliar aquilo que leva consigo. Talvez mesmo a quantificá-lo, a racionalizar aquilo que se encontrou a fazer e encontrar o sentido em que isso o poderá ter modificado. É uma tentação humana presente em tantos outros momentos. Uma tentação que está em desacordo com a Natureza. Na natureza as coisas sucedem-se com o único sentido de estarem em equilíbrio. E tentar explicar a viagem para além de ser quase desprovido de sentido, dificilmente alcança a realidade do que esta realmente terá sido. E essa realidade nada mais é do que as alterações intimas das coisas que aconteceram à nossa passagem. Nos outros e acima de tudo em nós. Jamais conseguirei ser exaustivo em relação aquilo que a viagem mudou em mim. Apenas sei que a viagem me completou um pouco mais. Estou mais eu. E conheço melhor esse eu. Mais uma motivo para recomendar a viagem ao estrangeiro, como forma também de viagem ao interior de cada um de nós.
E como explicar a viagem se a viagem foi a permanente surpresa e sequência de imprevistos que eu jamais pude ambicionar a controlar.Conheci muitas pessoas, isso sim. Procurei a maior abertura que o meu espírito me permitiu para conhecer tanto profundamente como é possível conhecer (e no tempo em que é possível conhecer) cada uma destas muitas pessoas. Todas muito diferentes, sem dúvida. Mas foi isso mesmo que me mostrou o que o homem tem na sua essência. No contacto continuo com diferentes pessoas, acaba por se revelar aquilo que a todos nós é comum e é humano. E no entanto, fica ainda a sensibilidade para aquilo que nos distingue a todos e nos torna únicos. Verdadeiramente únicos como pude comprovar. Se é verdade que há gestos, atitudes, características de fundo, feitios que a certa altura conseguimos padronizar, existe, como que por intervenção divina, sempre uma forma de qualquer pessoa nos surpreender. A atenção que cada pessoa merece individualmente talvez venha daí mesmo. De tal forma nunca conhecemos uma pessoa por mais tempo que estejamos com ela, que a nossa atenção e presença plena em cada momento é fundamental. E na viagem as relações são genuínas e o único interesse é ter alguém com quem falar, alguém com quem beber uma cerveja, alguém com quem partilhar aquilo que nós somos. As relações são então tão genuínas, como interessantes. O cariz passageiro do contacto introduz alterações muito interessantes. Leva-nos a não pensar no amanhã e a ser naturais e espontâneos como a paisagem que vimos na companhia dessa pessoa. É assim que estas relações são especiais.Não melhores, mas muito especiais. Procuramos nunca perder essas pessoas de vista nem da nossa memória, mas somos sempre confrontado com as nossas próprias limitações e muitas relações ficaram em fotografias. Outras vezes nem isso.
O que há então para explicar na viagem. Nada mais que contemplar e partilhar cada momento que tenhamos tido a sorte de guardar conosco. E experimentar as mudanças que o tempo que entretanto passou, num cenário diferente, operou em nós. Experimentá-las, partilhá-las, com os outros. E esperar que a viagem nos tenha feito melhores pessoas, pelo que de obra maravilhosa Sua, Deus nos deu a conhecer. Que as pessoas que tenhamos encontrado(viajantes, que somos todos nós) nos tenham feito mais tolerantes. Que aquilo que tivemos oportunidade de fazer, às vezes sem pensar nas consequências, nos tenha feito perceber aquilo que realmente queremos na vida, e assim encarar isso com uma frontalidade serena.
Depois há o reverso da medalha: a nostalgia de não podermos agarrar em nada e levar connosco como matéria. Talvez esta necessidade seja uma manifestação do materialismo humano. Mas esta necessidade existe. Que fazer com aquele pôr do Sol, que vi enquanto escrevia. Que fazer daquela subida ao Cristo Rei, acompanhando a luta da Natureza contra a urbanização. Que fazer daquela pessoa que me fez sentir melhor homem. São momentos que podemos vir a repetir, mas nunca serão iguais. Mas eu quero levar aqueles! Quero levá-los comigo! E no entanto não posso. Não tenho esse direito sobre os momentos. O melhor que consigo serão meia dúzia de fotografias?? Será isso suficiente?? Não só é suficiente como supérfluo! O importante é que a vida não para. Que eu vivi estes momentos e que os transporto comigo. E que desejo viver mais e melhor até um dia que não sei quando chegará. A incerteza, o esquecimento, a fugacidade fazem a vida ser simples como a Natureza e assim a Natureza da vida irá contrariando a nossa tendência para a compreender. Muito havia para dizer mas este comentário, algo filosófico já vai longo.
(Aproveito só para confessar que senti algum receio quando, já um bocado cansado e com algumas maleitas pela estilo de vida que estava a fazer, li no jornal que estavam a morrer pessoas aqui em santa Catarina por terem tomado caldo de cana, sendo que eu tinha bebido isso há pouco tempo. Claro que associei logo os sintomas... No entanto, é provável que não tenha Mal de Chagas...hehe. Pensar na sorte que temos em estar vivos e saber que podemos morrer a qualquer momento de vez em quando faz bem ao espírito).
Termino desejando uma óptima Páscoa para todos os que me lerem. Embora a minha Páscoa tenha sido algo pagã em termos ritualistas (rituais dois quais senti falta), tendo visto novamente o filme Paixão de Cristo, renovei a minha ideia sobre o filme. Sendo consensualmente violento, ele acima de tudo permitiu-me ter uma imagem, que vale por mil palavras (mesmo as bíblicas), daquilo que verdadeiramente foi o seu sofrimento prolongadíssimo e humanamente impossível de suportar, pelo qual passou Cristo. Esse sofrimento deve deixar-nos tudo menos indiferentes á mensagem de Amor que Ele tentou passar. Que de uma forma ou de outra esta Páscoa nos toque a todos.)

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